5.05.2006

V

V. Penso que, apesar de tudo, ainda não te conheço. Que o teu corpo é ainda uma incógnita na ideia que dele faço. Conheço-te tão bem como conheço os pássaros que afago na concha dos dedos. Mas não lhes sei o interior, a alma, o desejo visceral de viver: a sua fome, a sua sede: de onde nascem e quando se saciam. És um mundo inteiro perto de mim – que desconheço –, fonte de calor e bafo de prazer nas horas da noite. Não sei o que te dizes quando te calas, quando me olhas sem dizer nada. O que decifro em ti são os teus olhos, a tua face subitamente transformada em vale aberto de sorrisos, de lágrimas e de outros estados de alma que não sei dizer aqui. Pronuncio-te, e revivem no meu corpo sensações firmes que descobri ao teu lado e em ti. Proliferas na atmosfera que respiro, e não me canso de repetir palavras tuas se não estás, e de fundir em cores, no mapa das palavras, tudo o que és e alimentas em mim, teu protegido e protector. Há árvores que me lembram tudo o que és: braços estendidos e livres, dirigidos ao infinito de uma altura que não se mede, propondo a liberdade dos corpos e das formas; da alma e dos sentimentos. Procuro-te, por isso, nos jardins, nos bosques livres e nos musgos das pedras; nas carcódias dos pinhos bravos e nos carvalhais de Outono, libertos de folhagem.