5.05.2006

II

II. Acordei de novo nesta nossa casa. Fixei as coisas com os olhos e espreguicei-me levantando os braços como a pedir uma esmola aos deuses. Continuei sentado na cama. Pensei a infinidade de coisas que se iriam passar se me levantasse e na infinidade de coisas que perderia se não o fizesse. Senti-me ainda acompanhado de um sono leve, desgrenhado como os cabelos àquela hora. Olhei o teu corpo ainda inerte: fixei a tua boca e pensei aquelas palavras inauditas que perdemos. Pensei nessa tua boca muda. Nos teus lábios quentes no contacto com os meus. Pensei os teus olhos sem os olhar. Pensei todo o teu corpo. Fazia-se tarde e, nesse dia – tal como nos outros – o trabalho esperava à mesma hora. Separámo-nos com um beijo. E o teu corpo afastou-se, à medida dos teus passos e dos meus. Pensei a nulidade do mundo, o falso objectivo da posse de uma coisa, a infelicidade dos que têm e a infelicidade dos que não têm. Ou sonharia ainda? Soaram-me na mente as palavras de ontem. Seriam as mesmas? Em que palavras penso? De que falo eu aqui?