5.05.2006

III

III. Olhei-te enquanto cozinhavas os cogumelos com natas. O teu corpo continuava um ritmo emergente da terra. Tu eras o seu máximo. Dirigi-me a ti e beijei-te o pescoço livre. Rolámos no chão cor de barro, e fomos um. Sofregamente. Quem fomos nessa hora? Um outro momento. Novas palavras. Desta vez ouvidas. Sopros nascidos do corpo em combustão consciente e sem sono. Era noite pequena. Ouvia-se música em fundo, e as frases mansas construíam-se na leveza do ar, condicionado pelos homens, pela electricidade inventada. Estávamos sós e, ao mesmo tempo, envoltos da respiração dos outros, de uma radiação dos corpos suados na calma «quentura» das paredes castanhas. Envolvemos as mãos e éramos, de novo, um. Um só olhar, um só respirar, um só tremor de pele. Mas aquelas palavras que não ouvimos latiam em nós como as artérias apertadas da mão quando há pressa. Duvidámos daquele momento em que imperou uma telepatia muda e nos falámos sem gestos, sem sinais, sem falar. Dissemos algo que nos fez parar sem, no entanto, sabermos porquê. Saímos daquele pequeno bar. Fazia frio. Um vento ligeiro acordava-nos, de novo, rente ao mundo.